Por Larry Hurtado
Tradução livre:
Uma afirmação central nos Credos Cristãos Tradicionais é que Jesus foi crucificado “sob Pôncio Pilatos".
Mas a maioria dos cristãos tem somente um sentido vago do que a frase
representa, e a maioria dos não-cristãos, provavelmente, não conseguem
imaginar porque é uma parte tão integral da fé cristã. "Crucificado sob Pôncio Pilatos" proporciona à história de Jesus sua mais óbvia ligação com a ampla história humana. Pilatos era uma figura histórica,
o procurador romano da Judéia; ele foi referido em outras fontes da
época e ainda mencionado em uma inscrição encontrada no local da antiga
Cesaréia em Israel. A ligação da morte de Jesus com Pilatos representa a
insistência de que Jesus era uma pessoa real, não apenas uma figura de
mito ou lenda. Mais do que isso, a frase também comunica de forma
concisa algumas especificidades muito importantes deste evento
histórico.
Por um lado, a declaração afirma que Jesus
não se morreu simplesmente; ele foi morto. Esta foi a morte de um jovem
na dor e humilhação pública, não um fim pacífico para uma vida longa.
Também, essa não foi uma ação de uma turbe. É dito que Jesus fora Jesus
executado, não linchado, e pela autoridade governamental romana
devidamente nomeada da Judéia. Houve uma audiência de algum tipo, e os
oficiais responsáveis pela ordem civil e pela paz e justiça romana
condenaram Jesus. Isto significa que Pilatos encontrara algo muito grave
que justificasse a pena de morte.
Mas este foi também
um tipo especial de pena de morte. Os romanos tinham uma variedade de
meios para realizar uma execução judicial, alguns, tais como a
decapitação, eram mais rápidos e menos dolorosos do que a crucificação.
Morte por crucificação era reservada para crimes e classes particulares.
Aqueles com adequada cidadania romana deveriam ser imunes à
crucificação, embora pudessem ser executados por outros meios. A
crucificação era considerada em geral como não
só assustadoramente dolorosa, mas também a mais vergonhosa das mortes.
Essencialmente, foi reservada para aqueles que eram percebidos como
levantando suas mãos contra o domínio romano, ou aqueles que de alguma
outra forma pareciam desafiar a ordem social - por exemplo, os escravos
que atacavam seus senhores, insurretos, como os judeus crucificados pelo
general romano Vespasiano, na rebelião judaica de 66-72.
Assim,
o crime mais provável pelo qual Jesus foi crucificado é refletido nos
relatos dos Evangelhos na acusação colocada à cruz de Jesus: "Rei dos
Judeus". Ou seja, ou o próprio Jesus afirmou ser o Messias Real Judaico,
ou seus seguidores manifestaram esta reivindicação. Isso lhe obteria a
crucificação pelos romanos.
Com efeito, um critério que
deve ser aplicado mais rigorosamente nas modernas propostas acadêmicas
sobre o "Jesus histórico" é o que poderíamos chamar de a condição de
“crucificabilidade": Você deve produzir uma imagem de Jesus que dê conta
dele ser crucificado. Estimulando as pessoas a serem como “um” umas
para as outras, ou advogando uma interpretação mais flexível da lei
judaica, ou mesmo condenando o Templo e os seus dirigentes, nenhum
desses crimes é provável que levasse à crucificação. Por exemplo, o
historiador judaico do primeiro século, Flávio Josefo,
fala de um homem que profetizou contra o Templo. Ao invés de
condená-lo, o governador decidiu que ele era inofensivo, embora um tanto
desequilibrado e irritante aos sacerdotes do Templo. Então, depois de
ser flagelado, ele foi liberado.
A alegação de
messias-real, portanto, ajudar a explicar por que Jesus foi executado,
mas seus seguidores não. Estes não eram uma célula de conspiradores. O
próprio Jesus era o problema. Além disso, Pilatos recebera alguma
oposição séria por ser um pouco violento demais na sua resposta aos
judeus e samaritanos que simplesmente se demonstrassem vigorosamente
contra suas políticas. Pilatos provavelmente decidira que publicamente
executando Jesus o entusiasmo messiânico de seus seguidores iria
expirar sem afligir os órgãos judaicos mais do que o necessário.
Naturalmente,
os Evangelhos igualmente implicam autoridades religiosas judaicas -
especificamente, os líderes sacerdotais, que administravam o Templo de
Jerusalém sob concessão do governo romano. Muitos estudiosos, incluindo
E. P. Sanders em “Jesus e o Judaísmo”,
concluíram que os líderes do templo estiveram provavelmente envolvidos
em Jesus chamando a atenção de Pilatos. Afinal, o sumo sacerdote e seus
séquitos mantinham seus discursos através da demonstração de lealdade
contínua a Roma. Se eles julgaram que Jesus representava uma ameaça para
o domínio romano, eles eram obrigados a denunciá-lo. Portanto, não é
tão difícil conceder uma certa probabilidade para a afirmativa dos
Evangelhos de que as autoridades do Templo eram, pelo menos em parte,
motivadas por um ressentimento da crítica de Jesus da sua administração
do Templo, como pode ser refletido nos relatos de Jesus capotando as
mesas dos cambistas que operavam nas instalações sob licença do sumo
sacerdote. Mas os líderes judeus não crucificaram Jesus. "Crucificado sob Pôncio Pilatos" aponta para onde esta responsabilidade cabe, com a administração romana.
É
bastante claro o que São Paulo quis dizer ao afirmar que "a pregação da
cruz é loucura" para a maioria das pessoas de sua época. Como Martin
Hengel mostrou em “Crucificação no Mundo Antigo e a Insensatez da Mensagem da Cruz”,
os escritores romanos da época consideravam a crucificação o pior
destino imaginável, uma punição de vergonha inominável. Celso, um
crítico romano do cristianismo, ridicularizou os cristãos por tratar
como divino alguém que tinha sido crucificado. Um grafite anti-cristão
do segundo século de Roma, bem conhecido entre os historiadores que
estudam o período, mostra um homem crucificado grosseiramente elaborado,
com uma cabeça de burro, em que está uma figura humana, e sob este um
escárnio rabiscado: "Alexamenos adora o seu Deus" [Alexamenos sebetai ton theon].
Havia,
em suma, pouco a ganhar na proclamação de um Salvador crucificado nesse
cenário em que a crucificação era uma realidade terrível. Alguns
cristãos tentaram evitar a referência à crucificação de Jesus, enquanto
outros preferiram um ou outro cenário alternativo. Em uma versão, em um
texto cristão apócrifo, os soldados confundiram um observador com Jesus,
crucificando-o em vez disso, enquanto Jesus é retratado como rindo de
sua insensatez. Esta idéia é também provavelmente refletida mais tarde
na tradição muçulmana em que uma pessoa da multidão foi erroneamente
crucificada enquanto Jesus escapou. Muitos muçulmanos devotos acreditam
que Jesus fora um profeta verdadeiro, então é simplesmente inconcebível
que Deus tivesse permitido que ele morresse uma morte vergonhosa. É
evidente que, pelo menos alguns dos primeiros cristãos se sentiram da
mesma maneira.
De fato, a crucificação de Jesus
representava um amálgama de problemas potenciais para os primeiros
cristãos. Isso significava que, na origem e no coração de sua fé havia
uma execução de estado e que seu
reverenciado salvador tinha sido julgado e considerado culpado por um
representante da autoridade imperial romana. Isso provavelmente fez um
com que uma boa quantia de pessoas se questionarem se os cristãos não
eram algum movimento seriamente subversivo. Foi, pelo menos, não o tipo
de grupo a que prontamente recorreriam aqueles que zelassem por sua
posição social.
A crucificação de Jesus representou uma
colisão entre Jesus e a autoridade governamental romana, uma óbvia de
responsabilidade para os esforços cristãos para promover sua fé. No
entanto, curiosamente, de alguma forma eles conseguiram. Séculos de
tradição cristã subseqüente têm feito a imagem do Jesus crucificado tão
familiar que a ofensividade do evento que retrata foi quase
completamente perdida.
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